REVISTA ALICERCE EDUCAÇÃO n°1

EDITORIAL
O ano de 2013 acirrou as disputas de projeto de sociedade em nosso país. Milhares de pessoas ocuparam as ruas questionando o reajuste das tarifas de transportes, a violência do Estado, o modelo de democracia representativa, a corrupção na máquina pública, a falta de investimentos em áreas sociais, tais como saúde, educação, moradia, entre outros direitos básicos desconsiderados pelos governantes.
Se por um lado, as mobilizações reascenderam a esperança de que a luta conquista, principalmente se considerado o recuo dos governos no reajuste das passagens, por outro lado vivenciamos o recrudescimento da repressão e criminalização dos movimentos sociais. Ações truculentas da polícia contra manifestantes, prisões arbitrárias, agentes infiltrados em atos e passeatas, demonstraram que os governos, associados ao grande capital, não estão dispostos a arriscar seu projeto de mercantilização do espaço urbano e da vida.
É neste contexto de indignação e revolta social que eclodem as greves, nas duas maiores redes públicas de ensino do Rio de Janeiro, que abalaram o estado e o país.
As greves na educação significaram sem dúvida um salto de qualidade político e organizativo na base da categoria. Ações radicalizadas como os atos unificados de massa, as ocupações e acampamentos, que tiveram como resposta uma forte ofensiva do aparato de repressão dos governos, causaram comoção e solidariedade do conjunto da sociedade ao movimento, que se nacionalizou e internacionalizou.
O movimento dos educadores chegou a colocar em xeque o modelo de educação do capital para as redes públicas, ao desafiar os governos sustentando que a luta não era apenas por salários: “temos uma pauta pedagógica, a nossa disputa é de projeto de escola e de sociedade!”
Em que pesem todos os problemas que levaram ao fim das greves no RJ, que devem ser alvo de um balanço rigoroso entre categoria e direção sindical, o enfrentamento com este projeto de educação subserviente aos interesses do mercado, e que desconsidera as necessidades de formação humana de nossos alunos, não é local e não se esgota em uma greve.
Pensando nisso e, buscando ampliar o debate acerca da natureza dos ataques que a educação pública e que nós trabalhadores da educação estamos sofrendo em escala nacional e mundial, é que nós do Coletivo Alicerce Educação decidimos lançar esta primeira edição de nossa revista como contribuição ao XIV Congresso do SEPE/RJ. O nosso coletivo reúne trabalhadores/as da educação, do ensino básico e superior, que estão mobilizados nacionalmente buscando contribuir para a qualificação do debate acerca das políticas que expressam os ataques de distintos governos à educação pública em nosso país.
No SEPE/RJ nos organizamos no Campo Luta Educadora e assinamos a Tese 7 do Caderno de Teses Gerais, cujo título é “A Luta é Educadora: Quem Decide é a Base!”.
Esperamos que os textos aqui publicados apontem pistas que possibilitem qualificar nossas reflexões e ações na luta em defesa de uma educação pública de qualidade, que seja de fato crítica e libertadora para os filhos daqueles que vivem do próprio trabalho. Boa Leitura e Vamos ao Debate!  


ARTIGO 1)  REESTRUTURAÇÃO DO ENSINO: EDUCAR PARA O CAPITAL

Por André Barroso e Wíria Alcântara

O projeto hegemônico em curso, no que tange a educação pública brasileira, e nos demais países periféricos, é uma vinculação direta a um propósito que, em nossa opinião, não só distorce o sentido da educação pública, gratuita e de qualidade para todos, e sua função social, como também submete os interesses de profissionais e estudantes a um projeto de administração e gestão empresariais com base em metas, cuja uniformização dos parâmetros vai de encontro à diversidade das redes estaduais e municipais, bem como as diversidades que se encontram em uma mesma unidade escolar.
Conceitos como empregabilidade e educação para o trabalho ressurgem com muita força, no Brasil e em diversos países da América Latina, como reflexo direto do conceito “reestruturação produtiva” que pautou os debates sobre trabalho, luta sindical e educação na década de 1990 e no início dos anos 2000 (Gentili e Suárez, 2004). Em outra obra (Gentili, 1998) vai apontar a construção de um discurso que pode ganhar eco na opinião pública, principalmente naqueles que dependem da escola pública para manter seus filhos, que são as políticas de transferência de capital para prefeituras e estados, e que o problema da educação está na má gestão dos recursos e não na falta de investimentos.
Mas duas coisas não são ditas: a) os recursos destinados à educação pelo governo federal representam no conjunto da arrecadação do governo federal, 0,2 % contra 47% destinados ao pagamento de juros aos bancos; b) destes poucos que são gastos com educação no Brasil, uma boa parte dele vai também para instituições particulares por meio de programas de financiamento da educação superior.
Merece destaque também as transferências internacionais, como o PLI (Programa de Licenciaturas Internacionais), que pode ser uma boa perspectiva de formação no exterior, mas que, por outro lado, expõe jovens que, lançados em um país e numa cultura estranha a sua, sofrem com as mais variadas formas de vulnerabilidade e desestímulo longe de sua casa e de sua família, sem o menor acompanhamento, salvo raríssimas exceções. Programa esse que em Portugal, por exemplo, serve para alimentar instituições de ensino superior em um país onde as universidades, que outrora eram públicas, hoje cobram “propinas” para seus alunos. Só a título de exemplo, o curso de engenharia da Universidade de Coimbra tem 60% das suas matrículas ocupadas por alunos brasileiros, sem falar de alguns programas de mestrado e doutorado que sequer são reconhecidos no Brasil.
Não é possível compreender esse processo de “reestruturação” da educação pública e do trabalho dos profissionais de ensino sem considerarmos que a educação está inscrita num contexto social mais amplo, de subordinação da produção e reprodução da vida aos interesses de desenvolvimento e rentabilidade do capital. Principalmente porque educação envolve a socialização de mais de 50 milhões de jovens e crianças que serão força de trabalho no futuro, o que requer, não apenas a capacitação técnica, mas também, a construção de subjetividades adaptadas aos novos padrões de consumo e de exploração do trabalho. Não é por acaso que o texto do atual Plano Nacional da Educação (PNE), já aprovado no Senado e com perspectivas de ser votado no Congresso ainda em 2014, privilegia essa formação de “novo tipo” afinada aos interesses das grandes corporações que hoje dominam “os negócios” educacionais.
A hegemonia do PT no governo federal, antes com Lula, agora com Dilma, só se mantém a partir de grandes concessões ao Bloco de Poder composto pelas principais frações burguesas, entre elas os setores ligados organicamente às finanças - liderados pelo Itaú - que incorporam funções organizadoras na sociedade e estrategicamente na educação, tendo na coalizão “Todos Pela Educação” sua expressão máxima de ingerência de classe na educação pública.
Em nome de uma falsa revolução nos métodos e na pedagogia, Instituições e Fundações abocanham robustas quantias de recursos públicos, para assumir funções que outrora pertenciam aos trabalhadores da educação, quando havia autonomia pedagógica nas escolas. São milhões gastos em materiais pedagógicos que nada acrescentam em nossas práticas, ao contrário, reduzem significativamente os currículos, impondo uma proposta de educação mínima e instrumental para os alunos das classes populares.
 Neste caminho vem o discurso falseado novamente, que parece bom, mas acaba por se mostrar nefasto, que é a máxima de que quanto mais tempo a criança ou jovem passa na escola melhor será o seu desempenho no futuro, errado, pois a integralização da educação, sem projeto pedagógico, sem valorização do profissional e contratação de mais profissionais, transformará as escolas em depósito de crianças e jovens, cuja consequência é o que já aponta o relatório do MEC de 2013, publicado no jornal “O Globo” de 26 de março de 2014, que é o desempenho insuficiente dos alunos do ensino fundamental e a evasão dos alunos do ensino médio. É preciso mudar esse jogo!
Bibligrafia:

SADER, E. GENTILI, P. BORÓN, A. (1995). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
GENTILI, P. APLLE, W. M. (1997). Pedagogia da exclusão: crítica ao neoliberalismo em educação. Petrópolis: Vozes.
__________ (1998). A falsificação do consenso: simulacro e imposição na reforma educacional do neoliberalismo. Petrópolis: Editora Vozes.
LANDER, E. GENTILI, P. (2001). Universidades na penumbra: neoliberalismo e reestruturação universitária. Rio de Janeira: Cortez Editora.
GENTILI, P. MCCOWAN, T. (2003). Reinventar a escola pública: política educacional para um novo Brasil. Petrópolis: Editora Vozes.
__________. SUÀREZ, D. (2004). Reforma educacional e luta democrática: um debate sobre ação sindical docente na América Latina. Rio de Janeiro: Cortez.



ARTIGO 2) EMPRESARIAMENTO DA EDUCAÇÃO, O QUE NÓS TEMOS A VER COM ISSO?

Por Wíria Alcântara e Geovano Fonseca

Na década de 1990 o economista Cláudio Moura Castro – articulista da VEJA e presidente do conselho consultivo da Faculdade Pitágoras – já afirmava em encontros com outros empresários que “educação é investimento”.
O giro do empresariado para a disputa da agenda das políticas públicas para educação, aqui conceituado como “Empresariamento da Educação”, parte do pressuposto de que a forma organizativa da iniciativa privada é a solução para os problemas da educação.
Sustentada pelo discurso de que o público (Estatal) é sinônimo de ineficiência, enquanto a iniciativa privada estaria associada à eficiência e qualidade, está em curso no Brasil uma verdadeira ofensiva ideológica que tem por fim inculcar valores e interesses próprios de mercado na esfera educacional.
Mas quais são os eixos que norteiam este modelo de política “empresarial” na educação?
Segundo Freitas os três pilares que consubstanciam a proposta dos “reformadores empresariais” na educação são: a responsabilização, a meritocracia e a privatização.
Na prática, a política é delineada pela adoção de soluções gerenciais como uma nova proposta de gestão para escolas públicas. E se baseia na busca da “eficiência” através do menor custo e “melhor” resultado – entenda-se melhor resultado como alcance de metas e índices pelas escolas – tal qual em empresas e fábricas.
Planos de metas, avaliações de desempenho, certificações, bonificações por resultados, 14º salário – prêmios e punições – fazem parte deste processo de RESPONSABILIZAÇÃO dos trabalhadores da educação.
A MERITOCRACIA, tão defendida pelos governos e repudiada pelos educadores, reflete a essência da doutrina liberal – propondo a igualdade de “oportunidades” e não de direitos (ou conquistas). Assim basta que sejam oferecidas as oportunidades (pacotes e programas concebidos por economistas), e o resultado será fruto do esforço individual de cada profissional, aluno ou comunidade escolar.
O mérito utilizado enquanto método, ao invés de reafirmar a educação pública de qualidade enquanto um direito universal que deve ser garantido pelo Estado, promove a disputa entre comunidades escolares sem levar em conta as condições reais nas quais estão imersos trabalhadores e alunos. Com incentivos diferenciados, políticas de bônus e premiações as redes vão se hierarquizando, e as escolas começam a ser classificadas entre “melhores” e  “piores”. 
O impacto para os trabalhadores da educação também é bastante negativo, uma vez que a meritocracia ataca diretamente à carreira e a isonomia salarial, atrelando ganhos a avaliações de desempenho, e ao alcance de metas que desconsideram os distintos fatores estruturais e emocionais que permeiam o cotidiano de trabalho dos profissionais nas escolas. Também introduz critérios duvidosos para a concessão de premiação e incentivos salariais, provas/certificações organizadas por governantes de ocasião podem facilmente favorecer o clientelismo e ferir a impessoalidade garantida a partir da aprovação em concurso público.
O terceiro pilar do empresariamento da educação é a privatização, que se efetiva por meio das chamadas parcerias público-privadas. Nas escolas públicas este processo é reconhecido a partir da ofensiva dos Institutos e Fundações como “colaboradores” e “organizadores” de projetos, currículos, materiais pedagógicos e da própria gestão da escola. É por aí que os empresários conseguem abocanhar vultosas quantias do dinheiro público, que o Estado destinaria à educação.
Em nosso estado e município várias escolas estão sendo administradas a partir de parcerias público-privadas. O Ginásio Experimental de Novas Tecnologias Educacionais (GENTE) na rede municipal do RJ, que tem sua gestão compartilhada com o Instituto Ayrton Senna, Microsoft, Instituto Natura, Vivo, Intel, Cultura Inglesa entre outros, o Colégio Estadual José Lopes Leite (NAVE) em parceria com o Instituto OI Futuro, e o Colégio Estadual Comendador Valentin dos Santos Diniz (NATA), em parceria com o Grupo Pão de Açúcar, são apenas alguns dos muitos exemplos de escolas públicas que funcionam sob a intervenção de grupos privados. 
Mas quais são os interesses desses novos atores no campo educacional?
Hoje assistimos se multiplicarem os “especialistas em educação”, não são mais os educadores que têm sido chamados a opinar acerca dos rumos e problemas da educação. Isso se deve, em parte, a uma tentativa de construir consenso acerca da ideia de que os problemas da qualidade do ensino são decorrentes da má gestão dos recursos – que já seriam suficientes – alocados na educação, e do corporativismo docente, assim como da filiação de uma ampla maioria dos profissionais da educação a ideologias ultrapassadas, como o Marxismo. Aí residiria o atraso, o entrave para o progresso e para o avanço econômico do país.
A grande mídia tem sido uma importante parceira no processo de difusão deste ideário, em busca da adesão/consentimento do conjunto da sociedade ao projeto. Personagens como o empresário Gustavo Ioschpe, que é presidente da G7 Investimentos, Conselheiro da Iochpe-Maxion S.A. e da Fundação Iochpe, consultor de projeto do Banco Mundial/PNUD para o Ministério da Educação do Brasil, e membro do Todos Pela Educação, são constantemente requisitados pela imprensa para falar em nome da educação.
O discurso do empresariado para justificar o interesse do mercado no processo de elaboração das políticas educacionais também está baseado na afirmação de que a educação é um eficiente “instrumento” de redução da desigualdade social, para tanto é necessário estabelecer um modelo educacional que defina claramente o que os alunos devem aprender – competências e habilidades requeridas pelo capital.
Também postulam que serão eles, os empresários, os consumidores finais do produto retirado da escola, o aluno. A relação estabelecida é desumanizadora e similar à compra e venda de um “produto” - ou força de trabalho - pelo mercado. A educação é tratada, portanto, de forma utilitária e como ferramenta de construção de uma nova ética, nos marcos da mercantilização da vida.
Mas a educação não deixa de ser também um grande negócio para os empresários. Um artigo publicado pela revista EXAME no ano de 2008 já apontava a educação como um investimento lucrativo, destacando-se como um dos mercados mais promissores para as próximas duas décadas.
Aqui no RJ, apenas no ano de 2012, a Secretaria Municipal de Educação transferiu R$ 70.345 milhões para Instituições privadas, tais como o Instituto Sangari, a Fundação Roberto Marinho, a Abril Cultural e o Instituto Ayrton Senna.  No ano de 2013 a Empresa Consulplan faturou em plena greve da rede de ensino municipal o montante de R$ 9,4 milhões por serviços de correção de provas.
Quais as consequências do Empresariamento da Educação?
O empresariamento da educação é antes de tudo uma ideologia que nega a concepção da educação enquanto direito universal, direito este que visa garantir a socialização dos conhecimentos necessários para a formação integral das novas gerações. Conhecimentos que permitirão o desenvolvimento e a formação de crianças e jovens para atuarem de forma crítica e autônoma na vida adulta, contribuindo para superar as desigualdades e injustiças presentes no atual modelo de sociabilidade.
A adoção deste modelo empresarial em larga escala, nas redes públicas de ensino, além de atacar diretamente os trabalhadores da educação promovendo a expropriação da sua função de intelectual e de organizador das práticas pedagógicas – que passam a ser concebidas por Institutos e Fundações de natureza privada – irá ocasionar um verdadeiro genocídio intelectual para as novas gerações, oriundas das classes populares. O rebaixamento dos currículos e a uniformização dos métodos, através das apostilas, cartilhas e treinamento para provas e testes padronizados, que privilegiam disciplinas geralmente em áreas de língua portuguesa, matemática e ciências, e que condenam a um patamar inferior as demais disciplinas, resgatam, de acordo com Frigotto, “a herança histórica dominante do pragmatismo, tecnicismo e do economicismo, cujo escopo é de uma educação unilateral – educar para o mercado e formar o cidadão produtivo”. 
  Tal qual uma ideologia, o “Empresariamento da Educação” procura se legitimar socialmente através do convencimento e da busca de adesões em torno do seu programa de reforma do ensino.  Opera através de grupos com nomes acima de qualquer suspeita: “AMIGOS DA ESCOLA”; “TODOS PELA EDUCAÇÃO”, a exemplo do Programa “NENHUMA CRIANÇA FICA PARA TRÁS” (NO CHILD LEFT BEHIND) instituído em Janeiro de 2002, pelo governo George W. Bush, nos EUA.
Apesar de se apresentar como uma proposta inovadora, capaz de solucionar as mazelas que afetam a qualidade do ensino público, sua essência está fundamentada na dominação, exploração, no lucro, e na difusão de novos valores éticos calcados na competição e no individualismo.
Essa proposta de reforma, que fracassou nos EUA e que levou a ex-secretária assistente de educação do governo George H. W. Bush – Diane Ravitch – a fazer uma autocrítica no livro “Vida e Morte do Grande Sistema Escolar Americano”, é a mesma que agora tenta se firmar nas redes públicas de ensino do nosso país.
O desafio que está colocado na ordem do dia para nós trabalhadores da educação, que acreditamos que a escola tem o papel fundamental de contribuir com o processo de transição para um novo modelo de produção e organização da vida social, é combater esse projeto em fase de implementação em nosso país.
A conjuntura de efervescência das lutas favorece o questionamento destas políticas que não apontam respostas para os problemas estruturais e cotidianos das escolas públicas tais como, aumento da evasão escolar, fechamento de escolas e turmas, falta de professores e funcionários, aumento da violência, péssimas condições de trabalho, entre outros problemas.
Por isso é fundamental organizarmos a nossa resistência e a luta em defesa da escola pública em conjunto com os movimentos sociais e com os trabalhadores que se encontram em luta pelos seus mais variados direitos. O que está em debate é a defesa de um modelo de educação que deve estar a serviço do desenvolvimento humano, e de uma sociedade que afirme as pessoas em primeiro lugar, e não a produção e o lucro.

BIBLIOGRAFIA:
FREITAS, Luiz Carlos. Os Reformadores Empresariais da Educação: Da desmoralização do magistério à destruição do sistema público de educação. Educação e Sociedade. Vol.33. Nº 119. Campinas. 2012.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Teoria e Práxis e o Antagonismo entre a Formação Politécnica e as Relações Sociais Capitalistas. Trabalho Educação e Saúde. Vol. 7. 2009
RAVITCH, Diane. Vida e Morte do Grande Sistema Escolar Americano.Editora Sulina.2011.

ARTIGO 3) EDUCAÇÃO PÚBLICA : MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA
Por Antônio Pedro Fernandes
O debate aqui tem como pano de fundo o papel do Estado na educação e a lógica que orienta as ações no processo educacional nos estados e municípios, cujo objetivo mais imediato neste artigo é aplicação dessa política na rede estadual e municipal do Rio de Janeiro. Segundo Álvaro Moreira Hipólito:  neste sentido que se identifica que no Brasil no século XX, em relação ao seu processo de trabalho, que a escola passou por uma série de modificações que fizeram seu perfil em termos de estrutura e organização. Apesar dessas modificações nem sempre mostrarem-se aparentes, substancialmente a escola transitou de um modelo tradicional, que se caracteriza pela autonomia do professor (a) em relação ao ensino e à organização escolar e por processos burocráticos praticamente inexistentes, para um modelo técnico-burocrático, caracterizado pela redução da autonomia do professor em relação ao ensino e à organização da escola- divisão de tarefas, formas de controle, hierarquização- enfim por uma marca burocrática muito acentuada (HIPÓLITO, 1991, p. 4) .
Na fase atual do capitalismo a escola passa por um processo de precarização das condições de trabalho, de aprofundamento do individualismo, perda de autonomia pedagógica e por um profundo rebaixamento do processo educativo na escola.  (Saviani, 2007).  Sob o tacão do governo Sérgio Cabral e Eduardo Paes essa concepção reduzida de qualidade da educação nos marcos de uma proposta em curso do Estado mínimo, defensor de uma educação minimalista, no qual se opera uma política de desmonte da escola pública ao mesmo tempo, que se fortalece ideologicamente o pensamento empresarial com conceito de professor empreendedor, gestor, inovador, tutor e outros conceitos travestidos de funções docentes, são nestas as bases que residem a hegemonia do capital no campo da educação.
Não é de hoje, que o conhecimento produzido e difundido na sociedade, no espaço escolar, acadêmico e nas instituições formais, vem pautando uma agenda que coloca a importância da função social da escola como desafio a ser alcançado, no momento que, o projeto do capital vem operando uma política de refuncionalização da escola nos moldes empresarial em detrimento de uma educação crítica dos filhos (as) dos trabalhadores (as). Diante dessa suposta “modernização” o que percebemos no cotidiano escolar, são esforços individuais por profissionais da educação ou por projeto em algumas escolas de forma isolada, e a ação pontual por parte do governo estadual e municipal/RJ no ensino básico. 
Essa ESTRATÉGIA feitichizada dos governos Cabral e Paes servem aos interesses políticos dos governos tiranos em legitimar uma EDUCAÇÃO CONSERVADORA com objetivo é elevar os índices educacionais de forma artificializada.    
Como afirma (Saviani, 2007) os cálculos dos Índices do Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) no plano de metas, diretrizes do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).  Considerando que essa diretriz do (PDE) trás como proposta uma concepção reduzida de qualidade da educação, lógica que embasa o programa, “Compromisso Todos pela Educação” que é traduzida numa espécie de Pedagogia de Resultado: O governo se equipa com instrumentos de avaliação dos produtos, forçando com isso, que o processo se ajuste às exigências postas pelas demandas das empresas (cf. SAVIANI, 2007, p. 1253).
As diretrizes e ações dos prepostos do poder  político instituído, interlocutores e articuladores  com outras esferas de atuação no campo educacional, como os setores empresarial e financeiro privados de gestão e racionalidade mercadológica da educação, como uma mercadoria, redução de unidades escolares e o esvaziamento do projeto político pedagógico da escola, revelam um retrocesso de cunho conservador na estrutura educacional, lugar de cooptação de muitos intelectuais pela ideologia do consenso de uma educação mínima desprovida de pensamento crítico. Ex: Claudia Costin e Wilson Risolia secretário (a) de educação que protagonizaram um dos maiores ataques nos últimos anos,  aos direitos dos profissionais da educação pública do Rio de Janeiro.
Na contraposição contra essa perversidade na educação da classe, elencamos algumas das reivindicações dos profissionais da educação pela necessidade de uma política educacional de ruptura com dos setores dominantes, e que contemple a qualidade no processo educacional: priorizar democracia nas escolas das redes,  a realização de eleições diretas para diretores, respeito à autonomia pedagógica da escola, valorização da carreira do magistério, participação dos profissionais da educação no processo decisório da educação e na comunidade escolar, 10% do PIB para educação pública e NÃO a proposta governista do (PNE) para educação privada ,  o fim das terceirizações, das privatizações, fechamento de escolas e a construção de mais Unidades Escolares.
 No contexto das lutas sociais no Brasil nos anos de l980, Florestan Fernandes (1989) analisando o modo como os setores dominantes lograram construir uma saída pelo alto, reaglutinando de modo limitado as principais frações burguesa em crise de hegemonia propugnou um novo ponto de partida. Que a defesa da escola pública não pode estar limitada aos profissionais da educação.  Assim, uma primeira frente a ser enfrentada é a reorganização da luta pela escola pública como iniciativa da classe trabalhadora, o que exige, simultaneamente, tanto a constituição dos educadores como os trabalhadores em luta (dos setores públicos, da educação básica, tecnológica e superior) com objetivos de classe, métodos de lutas próprios da classe trabalhadora como alargamento pela educação para o conjunto da classe trabalhadora, incluindo sindicatos, partidos anticapitalistas, movimentos dos trabalhadores  rurais, desempregados, sem teto, juventude das favelas e outros não possuidores de bens. Trabalho Necessário, (Ano 10 Nº 15/2012).In: www.uff.br/trabalhonecessário .  
Como já assinalava Florestan Fernandes nos anos de 1980 para conquistarmos uma educação pública de qualidade e libertária. Hoje seu pensamento está atualíssimo. Precisamos avançar na construção política em defesa da unidade de amplos setores da classe, buscando construir um movimento contra- hegemônico que envolva todos os setores classistas, e, as jornadas de junho a outubro de 2013 e as perspectiva de 2014 com a copa do mundo, estão demonstrando que a  possibilidade de uma contra- ofensiva das classes populares contra o projeto do capital, pode tornar-se uma realidade concreta de luta na atual conjuntura.

ARTIGO 4) 2014!  NO CARNAVAL DOS RICOS, OS GARIS DERAM O TOM!
Por Geovano Fonseca
            Era sábado, 8 de março, Dia Internacional da Mulher e também será  conhecido como “O Dia da Vitória da Greve dos Garis Cariocas”. Representa também uma vitória do “time da maioria”.     Entenda-se por “maioria”, o conjunto daqueles que vivem de seu trabalho e as organizações que lutam para proteger sua dignidade contra a sanha do capital.  Ao contrário das empreiteiras, bancos, corporações da mídia burguesa e de todos os setores que projetaram lucros extraordinários com a copa do mundo de 2014, que chamaremos de “time da minoria”.
            A manutenção dos serviços públicos e o direito à cidade estão condicionados a dinâmica de mercado. Dinâmica, esta um pouco questionada nas  jornadas de junho e na greve dos trabalhadores da educação do Município e do Estado do Rio de Janeiro, foi um 2013 de preparação. 
            Neste início de 2014, a “minoria” já preparou um pacote de leis federais para criminalizar os movimentos sociais e reforçou os slogans de ufanismo nacional, aumentando a carga ideológica sobre a população. Em seus jornais e telejornais, censuram tudo que exponha seus interesses de classe.   A classe dominante nos impõe a política do “porrete e da cenoura”.            
            As festas populares viraram negócios. A legítima expressão artística e cultural da população brasileira é cada vez mais capitaneada por esquemas ideológicos de controle social.          Se a repressão sintetiza o lado do “porrete”, estes esquemas referem-se ao lado da “cenoura”.
            Esse é o pano de fundo da greve dos garis. O Prefeito, seu staff e as classes dominantes cariocas, cegos em sua soberba não puderam imaginar que mulheres e homens simples, humilhados por anos a fio, tivessem a ousadia de desafiá-los em pleno carnaval, e pior, no ano da Copa do Mundo. Subitamente, o carnaval carioca, cuidadosamente moldado para ocultar as mazelas sociais da chamada “cidade maravilhosa”, foi transformado em palco de uma crise que comoveu o país inteiro. 
            Rapidamente, o triunvirato formado pelo Presidente da Comlurb, pela Direção do sindicato, liderados pelo Alcaide Eduardo Paes, divulgaram a versão de que não existia greve.  “...Greve? Como greve?  A Comlurb e o sindicato acabaram de fechar um acordo. Os garis terão um aumento de 9% no piso, diziam”. 
Na versão oficial, o movimento não passava da ação de um grupelho de “300 garis” inconformados e orquestrados por sindicatos e partidos de oposição ao governo municipal.
            O “time da minoria” carioca estava entrosado. Ao sindicato pelego coube insinuar que havia infiltração “alienígena” como origem do movimento; a Comlurb noticiou a demissão dos “300” como forma “pedagógica” de doutrinar quem ainda se mantinha trabalhando. O prefeito, no melhor estilo “centro- avante matador” contratou escolta armada para garantir a coleta do lixo, sob a alegação de ter recebido denúncias de que grupos estavam hostilizando trabalhadores e destruindo equipamentos da empresa.
            Imbuído da tarefa de vencer os garis a qualquer preço, Eduardo Paes cometeu duas “faltas” em um curto espaço de tempo.
            Primeiro, definiu como Motim um movimento legitimo da classe trabalhadora, conquistado ao longo de mais de 160 anos de história do movimento operário.
Depois foi filmado jogando lixo no chão da cidade. Na tentativa de abafar o caso, criou mais um factoide. Ordenou que a Comlurb o multasse pelo suposto delito.   A esta altura o Prefeito que tirou onda de “centro- avante” já era visto como um “perna-de-pau” de time da terceira divisão.
            Diferentemente de outros tempos, a cobertura alternativa da  Mídia Ninja, Nova Democracia, TV Comunitária de Niterói entre outros, facilitou a circulação da notícia e a criação de uma rede de solidariedade aos grevistas.
Na 5ª feira, 6 de março, os garis já contavam com as organizações:  FIST, FIP, SINTUFF, SEPE-RJ, SINDIPETRO-RJ, ANDES-SN, ADUR-RJ, OAB-RJ, entre outras, além de diversos apoios nas redes sociais pelo Brasil inteiro, e de anônimos que acompanhavam ao longe as passeatas. 
            Das diversas manifestações, destaca-se a de 7 de março,  10h na sede da Prefeitura.  Os jornais matinais estampavam as fotos do Prefeito sujando a cidade e populares já apresentavam espontaneamente seu apoio à greve.  O jogo começara a mudar. 
            Graças a combatividade da “garisada” e a rede de solidariedade de classe, o Ministério Público do Trabalho (MPT), foi provocado.  Havia tantas denúncias de assédio moral contra a Comlurb, que os trabalhadores só foram dispensados por volta das 23h.
            Com a entrada do MPT os grevistas arrancaram uma audiência de conciliação marcada para 11 de março (3ª feira).  O relógio já corria contra a prefeitura.   E o movimento divulgava:
 _ Uma manifestação para o dia seguinte, 8 de março na Central do Brasil e  outra para o domingo, na zona sul carioca passando pela orla de Copacabana, Ipanema e Leblon;
_ os serviços de meteorologia já anunciavam chuvas na cidade, para o fim de semana;
_ a possível adesão dos APA`s (Agentes de Preparação de Alimentos) a partir de 10 de março (2ª feira);
            Qual seria a repercussão do ato na orla do Rio? Do caos instalado com lixo entupindo tudo na cidade? E o perigo da greve se alastrar para educação e saúde, já que os APA`s trabalham em muitas escolas e hospitais da rede municipal?  Provavelmente o Prefeito já pedia  socorro!
             Aí entra em campo a Justiça do Trabalho. Fazendo o “meio de campo” do “time da minoria”, “deu tratos à bola” e antecipou a conciliação para 8 de março (sábado), mas só informou a liderança do movimento por volta de zero hora do mesmo dia. O ato da Central foi logo transformado numa passeata em direção ao TRT, na Av. Antonio Carlos.  E após 5h de negociação, a prefeitura concordou em rever as demissões, aumentou o piso em 37% (de R$ 802 para R$ 1100), o mesmo para o adicional de 40% de insalubridade e ainda corrigiu o vale-refeição de R$12 para R$ 20. 
            Alguns detalhes aparentemente sem importância podem ser interessantes para os próximos enfrentamentos contra a “minoria”.  Salta aos olhos o grau de entrosamento do núcleo do poder.  Quem buscar as imagens da mesa de negociação verá que Justiça do Trabalho garantiu cadeiras cativas para a direção do sindicato pelego. Indo mais adiante, vemos mais uma manobra sutil.  O Jornal O Dia, apesar registrar, durante a negociação, muitas imagens dos garis na porta do TRT, deu destaque na matéria do dia seguinte a uma foto da fila de contratação de “garis emergenciais” que substituiriam os grevistas demitidos. A classe dominante nunca joga para perder, e se por ventura acontecer, jamais passa recibo para seus inimigos de classe.
            Só nos resta, pôr em relevo alguns elementos dessa greve:
_ Que todas as vezes que as bases das categorias não são levadas em consideração, é indício de que suas direções estão “fazendo gol contra”;
_ Há a necessidade de se buscar lutas que catalisem a solidariedade de classe e promovam a unidade de ação das organizações classistas;
_ Um espectro ronda o país, o espectro do “Não vai ter Copa!”. Ele vem se impondo de tal forma que ficará evidente o antagonismo entre times da “minoria” e da “maioria”. Pelo que vemos, a “minoria” está cada vez mais entrosada. E nós, vamos ser surpreendidos?  Qual o papel das organizações classistas?
             O jogo ainda está aberto. Mas os garis mostraram o caminho.
            A luta continua ! Valeu garisada!



 



Um comentário:

  1. A falta de um projeto econômico autônomo e a falta da adequação desse projeto às necessidades da nossa crescente população impede que se garanta para os educandos condições de vida exemplares. Sem querer resolver a equação, formação e trabalho em beneficio do capital, acredito que qualquer sistema social que não consiga criar boas condições de vida para os egressos dos bancos escolares fica desacreditado e faz com que os alunos percam o inteesse na educação. Só assim a educação poderá exercer livremente o seu verdadeiro poder transformador.

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