terça-feira, 23 de setembro de 2014

BALANÇO DA GREVE UNIFICADA DA EDUCAÇÃO - RJ/2014 FIM DA GREVE OU UM NOVO PONTO DE PARTIDA?

“Durante as jornadas de junho todas as classes e partidos se tinham congregado no partido da ordem, frente à classe proletária, considerada como partido da anarquia, do socialismo, do comunismo. Tinham ‘salvo’ a sociedade dos ‘inimigos da sociedade’...” (Marx)

“Os sindicatos operaram um intenso caminho de institucionalização e de crescente distanciamento dos movimentos autônomos de classe. Distanciam-se da ação desenvolvida pelo sindicalismo classista e pelos movimentos sociais anticapitalistas (...), e subordinam-se à participação dentro da ordem. (...) O mundo do trabalho não encontra, em suas tendências dominantes, especialmente nos seus órgãos de representação sindicais, disposição de luta com traços anticapitalistas. As diversas formas de resistência de classe encontram barreiras na ausência de direções dotadas de uma consciência para além do capital.” (Antunes)

“O único modo de defender a nossa entidade é estar na oposição a essa direção, que há muito tempo deixou de ser a nossa voz, para se tornar um boneco de ventríloquo, que simplesmente mimetiza as falas ameaçadoras do governo.” (Manifesto da Frente de Oposição pela Base/Sepe)

Não se pode analisar o resultado da greve unificada da educação pública municipal e estadual do RJ, deflagrada no dia 12 de maio deste ano, e encerrada de forma dramática no dia 27 de junho, descolada do processo de amadurecimento e de constituição de uma identidade de classe no interior da categoria, verificado a partir das lutas travadas em 2013 (“Jornadas de Junho” e greves da educação estadual e municipal do RJ). Do mesmo modo não se pode desconsiderar o recrudescimento do autoritarismo do Estado contra as lutas e formas de organização dos trabalhadores, e o abandono da orientação classista e combativa das organizações de esquerda que hegemonizam a direção do Sepe.

As greves da educação travadas em 2013 demarcaram um giro mais claro do movimento grevista para a disputa de um projeto de educação sob o protagonismo de seus maiores interessados: trabalhadores das escolas públicas e alunos. A luta contra a privatização e terceirização da prática docente – e a sua consequente alienação – do modelo de gestão empresarial, o combate à estandardização da educação, ao ingresso dos Institutos e Fundações no espaço escolar, contra a meritocracia como forma de ascensão salarial, foram temas que levaram os educadores ao enfrentamento direto com os governos e seus aparatos de repressão, nas ruas, ocupações e acampamentos protagonizados pelos grevistas.

O salto de qualidade dessas lutas foi o avanço da consciência de classe dos educadores e a percepção de que a Pedagogia do Capital e os interesses do mercado que hoje disputam as redes públicas, compõem um projeto universalizante de construção de consenso para o atual modelo hegemônico de sociabilidade, que precisa ser combatido por todos aqueles e aquelas que defendem uma educação pública crítica e que possibilite às novas gerações a superação do atual “estado de coisas”. 

Infelizmente as greves de 2013 foram encerradas numa mesa de negociação que envolveu o Ministro Fux, no STF em Brasília, governos, e a coordenação geral do Sepe, com um acordo que garantiu apenas a não retaliação contra os grevistas, condicionada ao fim imediato das greves. O debate de fundo, de disputa de projeto de educação, ficava assim relegado a um segundo plano. 

Após as greves com o retorno às escolas, perseguições e um calendário de reposição extremamente perverso ocasionou a intensificação do trabalho para aqueles/as que aderiram ao movimento. Alguns pontos da pauta das greves de 2013, como a garantia do 1/3 da carga horária para planejamento, a fidelização de 1 matrícula em apenas uma escola, assim como algumas outras questões de natureza pedagógica, foram remetidas a grupos de trabalho com a participação do sindicato e dos governos. Mesmo no caso das reuniões que foram realizadas, inclusive algumas com a presença de representantes da base da categoria, nenhum avanço foi de fato implementado pelos governos. 

Iniciamos então o ano de 2014 com uma campanha salarial unificada que adensou os principais pontos de pauta das duas redes. Este movimento foi fruto do debate coletivo da base da categoria nas assembleias realizadas no pós-greves.
A assembleia que deliberou pelo início da greve no dia 12/05 foi realizada no dia 7 de maio no Clube Municipal e foi o resultado da conjunção das defesas de TODOS os grupos políticos que dirigem o sindicato. Em que pesem algumas divergências pontuais de setores que defendiam o início da greve naquele mesmo dia, ou, de setores do PT que não estavam convictos da unificação e apostavam numa greve apenas para a rede municipal do RJ, a aprovação da Greve Unificada teve praticamente a unanimidade dos votos naquela assembleia.

A partir daí, a nova vanguarda forjada a partir das greves de 2011 e 2013 ocupou as comissões de base e o comando de greve “aberto” a participação de todos, conforme deliberado em assembleia. A preocupação com a difusão de informações e mobilização para a greve levou a comissão de imprensa a trabalhar incansavelmente para garantir a produção e distribuição de materiais para o conjunto dos núcleos e regionais. Para fundamentar esses materiais, e o questionamento que o movimento fazia ao ingresso dos Institutos e Fundações Privadas na educação, criou-se uma comissão que ficou responsável por pesquisar o montante de verbas alocadas nos últimos anos pelos governos nessas contratações, esse trabalho foi apresentado logo na segunda assembleia. 

O ingresso da base no interior da estrutura sindical não foi um processo tranquilo, se pode observar certa insegurança e até constrangimento por parte de alguns grupos que compõem historicamente a direção. Apesar de todo empenho dessa nova vanguarda o início da greve não contou com índices expressivos de adesão nas duas redes, a dificuldade de dar visibilidade ao movimento levou o comando de greve a apostar em ações mais contundentes como o ato no Aeroporto Internacional, na Granja Comary e em Laranjeiras. O ato no Aeroporto deu visibilidade nacional e internacional ao movimento. Cabe ressaltar que a aposta nos atos de rua, feita pelo comando, em nenhum momento se contrapunha a necessidade de buscar diálogo com os governos, se por um lado, o comando de greve cumpria suas tarefas: organizar os atos e ações; os materiais e as corridas de escolas, cabia a coordenação geral do sindicato e as organizações que possuem interlocução com os governos e parlamento, a responsabilidade de abrir canais de negociação. Mas esse movimento não foi feito, e por quê?

Em todas as assembleias que se seguiram a categoria referendou a continuidade da greve unificada, nenhum setor de oposição, que estava empenhado na construção do movimento, fazia a avaliação ufanista de que a greve era forte, entretanto a qualidade e o vigor da vanguarda que sustentava a greve num contexto de lutas que envolvia diversas categorias, associado às contradições acirradas pela a realização da Copa do Mundo no Brasil, criavam um cenário mais que oportuno para levar para as ruas as pautas e mazelas pelas quais passa a educação pública em nosso estado e município.

Mesmo votando a favor da continuidade da greve, ao perceber o avanço da base na condução do movimento e no cotidiano da máquina sindical, os grupos majoritários da direção foram gradativamente abandonando a construção do movimento e passaram a se empenhar na desqualificação e desautorização das ações do comando de greve. Com afirmações de que o que estava em jogo era a disputa e/ou destruição do aparato sindical por essa nova vanguarda inconsequente, caracterizados a partir daí por setores conservadores da base da categoria em redes sociais como grupos “radicais, anarquistas e nazi-facistas”, iniciou-se uma disputa fratricida entre as organizações que conformam a maioria da direção do Sepe e essa nova vanguarda combativa.

A greve prosseguia em meio a essa disputa, ainda assim os atos de rua se intensificaram: idas a prefeitura, a Seeduc, ao TJ, atos na orla, no Cristo Redentor, no Centro do Rio, etc. Os atos na Seeduc e na Lapa foram marcados pela truculência da polícia contra os profissionais da educação, bombas, tiros de balas de borrachas e prisões arbitrárias, mostraram para a categoria e para a população que os governos não estavam dispostos a negociar com a educação. A repressão se ampliou com a instauração contra grevistas de inquéritos administrativos na rede estadual, e avaliações de inaptidão dos trabalhadores da rede municipal do RJ, publicadas pelos governos. Na assembleia realizada no dia 13 de junho, também no Clube Municipal, setores da direção majoritária defenderam o fim da greve sem apresentar qualquer avanço para a categoria, mas foram derrotados pela oposição e pela maioria da base presente. Uma nova assembleia foi então marcada para o dia 03 de julho.

Se por um lado o autoritarismo do estado e a truculência do seu aparato de repressão investiam duro contra o movimento, a categoria em greve não apresentava sinais de desistência, ao contrário, a assembleia do dia 13 ratificou a permanência na luta, que se ampliou, a partir de então também para a defesa dos educadores que estavam sofrendo perseguição política, sob ameaça de demissão. Mas nem isso foi capaz de levar a direção majoritária do Sepe a uma busca de repactuação com essa vanguarda combativa. O golpe final se deu com a com a convocação de um conselho deliberativo unificado, chamado por uma reunião de diretoria extraordinária, que votou pela antecipação da assembleia geral para o dia 27 de junho (sexta-feira, em pleno recesso). Nessa assembleia, que contou com a participação de amplas delegações do interior do estado e da baixada, com profissionais que inclusive ainda não haviam aderido a greve, pôs fim ao movimento numa votação onde 601 trabalhadores optaram pelo fim da greve, 560 votaram pela continuidade e 25 se abstiveram. A assembleia que rachou a categoria e unificou as organizações que dirigem o Sepe (PT, PCdoB, PSTU e setores do PSOL – Insurgência, APS, MÊS, LSR), foi ainda palco de insultos e provocações. O saldo da greve é um projeto de lei votado na ALERJ no dia 25/06 que prevê um reajuste de 9% para os trabalhadores das escolas estaduais e a promessa do fim dos inquéritos administrativos, e nenhum ganho para os trabalhadores da rede municipal do RJ, sequer a perspectiva de negociação para a retirada dos inquéritos/inaptidões está garantida. 

O grande salto político acumulado nestas greves, que é o avanço da consciência de classe e a determinação que leva esses trabalhadores/as a se enfrentarem com o autoritarismo do Estado disputando um outro modelo de escola pública, se choca com a perda de projeto e de identidade de classe da maioria das organizações “de esquerda” que atuam em nossa entidade. Ao perderem o horizonte estratégico abandonando a luta pela superação deste modelo de sociabilidade e pela emancipação do gênero humano, estas organizações operam nos limites impostos pela ordem, rebaixando a ação sindical a luta econômico-corporativa acrítica, para além disso se inserem de forma muito confortável na agenda eleitoral burguesa, o empenho que não foi visto na organização da luta dos trabalhadores da educação nas últimas greves com certeza irá invadir as ruas e praças em campanhas de seus candidatos. Porém os ventos de junho trouxeram de volta a vibração da vida e a possibilidade de um novo ponto de partida a partir do comprometimento e disposição desses “novos” ativistas na luta em defesa da educação pública e de um projeto de educação libertador. Que todo esse vigor possa se expressar também na mudança de rumos tão necessária no interior do nosso sindicato. 

WÍRIA ALCÂNTARA - ALICERCE EDUCAÇÃO/RJ

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